terça-feira, 24 de março de 2009

vigésima tentativa para chegar ao mesmo sítio

Era frequente ela abrir a sua janela ao mesmo tempo que ele abria a sua janela. Frente a frente, cada um fumava o seu cigarro evitando que o olhar se espalhasse na direcção um do outro; o fumo, por si, já utiliza esse mecanismo: o fumo dele misturava-se no fumo dela, e isso incomodava-os.
Um dia, a luz da noite reflectiu ironicamente aquele dióxido de carbono e aquela nicotina com uma clareza invulgar. Os raios lunares tocavam no fumo exactamente como costumavam tocar nos lagos mais calmos; a convicção, pelo menos, era a mesma, dizia a Lua.
Nesse dia ela abriu a janela já com o cigarro acesso, de imediato largou um enorme bafo para o centro da estrada. Ele, ao mesmo tempo, e sem ver que ela tinha chegado, lançou o seu último travo. Os dois fumos, vindos de direcções opostas, chocaram violentamente como sempre o faziam, criando, no espaço, a imagem de uma boca alegre. Assistíamos, então, a um fenómeno que desvendava uma ilusão perversa: o fenómeno do riso gasoso. Nesse momento de beleza improvável, os dois vizinhos, cada um na sua janela, decidem finalmente olhar-se – percebe-se um sorriso eficaz entre os dois desconhecidos. O fumo, no entanto, tinha subtilmente desaparecido do meio da estrada, enquanto o sorriso, que se pode denominar ingénuo, permanecia no corpo de quem estava à janela nesse dia.
Há vinte e três meses que ela ia fumar para a janela. Actualmente tem vinte e quatro anos.
Há seis meses que ele ia para a janela fumar. Actualmente tem dezoito anos.

Hoje, uma semana depois destes factos, uma das janelas deixou de se abrir. E o que é que aconteceu a estes dois jovens?, perguntamos nós. É fácil, explica-nos a Lua, que foi um dos principais culpados pela execução do fenómeno do sorriso gasoso: ele foi viver para a casa dela, os dois deixaram de fumar e, rapidamente, tornaram-se viciados pelo riso um para o outro.


autor: Rui Almeida Paiva

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