quarta-feira, 18 de março de 2009

décima sexta tentativa para chegar ao mesmo sítio

Toda a minha estrutura intelectual encontra-se dentro da mochila, era no que pensava Anne, que, deitada, utilizava esse objecto de transportar sabedoria, para uma finalidade menos aproveitada pela Grande História das Novas Civilizações: aqui está a minha almofada, a almofada do conhecimento, avançou Anne, a olhar para a sua mochila bem redonda.
Um parque relvado quase vazio acolhia a pequena e frágil estrutura da menina Anne. A relva está fresca. Ainda é cedo para nos encostarmos ao mundo. Mas eu gosto dele ainda pequeno, a nascer; a nascer do meu tamanho. Anne deita-se, coloca a mochila debaixo da cabeça: é nestas almofadas que os cientistas adormecem. Anne não adormece, pensa de olhos abertos.
Por baixo de uma árvore, Anne reflecte muito livremente. Dois ramos tapam a geometria do Sol. Anne acende um cigarro. Um grande cigarro que se ocupa de quase todos os seus dedos. Toda a minha estrutura intelectual encontra-se dentro da minha mochila, reflecte novamente para si, enquanto ajeita a cabeça. O cigarro é apenas a beleza, e é do fumo que lhe vem toda esta graciosidade: da morte, das cinzas. O fumo passa à frente dos olhos de Anne, deixando-a perplexa: um espectáculo de dança, é o que acredita estar a assistir. Apetece-lhe sorrir de satisfação, de felicidade. Sente-se bem, está confortável. É bom viver, assim vale a pena.
Com o avançar do tempo, o Sol começa a aparecer lateralmente: os dois ramos já não são suficientes. Aquele é o sinal: está na hora de partir. Na escola, está quase a começar o primeiro intervalo. Aquele sim, é o verdadeiro espaço onde se aprende qualquer coisa, costumava dizer Anne à sua mãe, quando falava sobre a escola.
Anne tinha faltado à primeira aula do dia para se deitar na relva; tinha faltado à aula de Biologia. Anne levanta-se. Coloca a mochila nas costas e sai da sua aula privada satisfeita com o que aprendeu. Agora, com a mochila às costas, Anne sabe que toda a sabedoria que lá estava dentro desapareceu. A sabedoria dos meus livros só me é útil quando posso repousar neles a zona onde se encontra toda a inteligência que tenho: a cabeça. Ou não será esse o verdadeiro significado para compreender o universo? saber como encostar a cabeça nos livros.

autor: rui almeida paiva

Sem comentários:

Enviar um comentário