segunda-feira, 16 de março de 2009

décima quarta tentativa para chegar ao mesmo sítio

O pianista, de um lado da rua, não podia ser identificado: o piano é um instrumento difícil de colocar debaixo do braço.
A violoncelista, do outro lado da rua, podia ser confundida com uma escritora ou com uma jornalista: o violoncelo era algo que servia, prioritariamente, para ser utilizado sempre no mesmo sítio devido ao seu peso exagerado.
Os dois, quando passaram a estrada, cruzaram-se. Ele cantarolava a trigésima quinta sinfonia de Mozart. Ela assobiava a mesma sinfonia de Mozart. Os dois, por instantes, olharam-se, mas estavam no meio da estrada, e os acidentes, naquele local específico, poderiam tornar-se desagradáveis principalmente para os ossos.
O pianista estava com pressa, ia para um concerto. A violoncelista não tinha nada para fazer, vinha de um concerto.
O pianista sabia que não tinha tempo a perder, teria de ser breve. Voltou para trás em passos largos. Atravessou de novo a estrada. A decisão está tomada, repetiu ele para si, enquanto o seu corpo se chegava ao corpo da violoncelista.
Com uma mão, ele agarrou-lhe o braço. Ela assustou-se. Os dois cantavam um segredo íntimo, um segredo quase corporal. Das suas bocas, a trigésima quinta sinfonia de Mozart era o que tinham em comum.
Ela convidou-o para irem para casa dela porque vinha de um concerto e não tinha nada para fazer. Ele aceitou ir para casa dela porque tinha um concerto muito importante que estava disposto a abdicar. Ela sentia-se leve porque tinha tocado duas horas seguidas para quatrocentas pessoas. Ele sentia-se pesado porque sabia que tinha quatrocentas pessoas à sua espera para o ouvirem tocar.
Quando o pianista se deitou na cama da violoncelista, sentiu o verdadeiro intervalo existente entre duas notas musicais, e então disse: é o silêncio. A violoncelista, em cima do pianista, estava toda nua. Os dedos do pianista tocavam uma nova melodia: a melodia da carne. Os dedos da violoncelista eram dessa carne que era melodia.
O pénis do pianista tinha finalmente entrado dentro da vagina da violoncelista. A trigésima quinta sinfonia de Mozart foi o que se pôde ouvir durante todo o acto.
No final ele disse: talvez te tenha engravidado. Ela, repousando sobre o tronco do pianista, ouvia o seu coração acelerado e, em pensamentos, desfrutava da sua pele nua. Talvez seja este o primeiro dia em que somos pais, acrescentou ela, com uma voz vaga e sonhadora enquanto massajava a própria barriga.


Autor: Rui Almeida Paiva

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