quinta-feira, 5 de março de 2009

terceira tentativa para chegar ao mesmo sítio

Carrego na mão uma bolsa. Lá dentro seguro uma fortuna. É muito importante ter a noção de que não se podem perder as coisas preciosas: aperto, então, com mais força, os dedos que abraçam a alça da bolsa. Sai-o de casa, o destino ainda é longe.

Há uma semana atrás abri a bolsa e gritei lá para dentro: estou triste porque nasceu hoje o meu primeiro filho.

A meio do percurso a bolsa começa-me a pesar, troco-a para a outra mão.

Depois de ter dito a frase estou triste porque nasceu hoje o meu primeiro filho, fechei imediatamente a bolsa e escondi-a por baixo da cama.

Estou quase a chegar. Seguro a bolsa como dois terramotos seguram um pedregulho. Entro no edifício. Subo as escadas. Entro no quarto três. Na primeira cama a primeira mãe e a primeira criança. As duas deitadas, lado a lado. Trouxe-te um presente, digo-lhe. Obrigado, diz-me ela.
A primeira mãe, ainda deitada ao lado do primeiro filho, abre a bolsa. Lá de dentro sai a frase estou triste porque nasceu hoje o meu primeiro filho.
Sai-o do quarto, do edifício. Para trás deixo o que poderia ser a minha vida. O ar expande-se na diagonal. Fora do edifício, no meu corpo: os braços doridos, os pulmões gastos, as pernas presas. Ando dois quilómetros. Nessa altura estou tão longe do edifício que só assim é que percebo que o meu corpo, sem nada nas mãos para transportar, se tornou apenas muito mais leve no coração. Volto para trás. Subo o edifício. Entro dentro do quarto três. Agarro na bolsa. Abro-a. Seguro no meu primeiro filho. Coloco-o lá dentro e levo-o.


autor: Rui Almeida Paiva

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