quinta-feira, 12 de março de 2009

décima tentativa para chegar ao mesmo sítio

Existem mulheres lentas e mulheres rápidas. As mulheres lentas estão adiantadas na beleza. E as mulheres rápidas estão muito atrasadas na beleza.

Uma mulher lenta chega primeiro ao desejo de um homem. E uma mulher apressada não chega a tempo de ser vista com atenção: é uma mulher indefinida nas formas.

Existem mulheres magras e mulheres gordas, mulheres altas e mulheres baixas, mulheres de cabelo curto e mulheres de cabelo comprido, mulheres velhas e mulheres novas, e ainda mulheres que se parecem com mulheres.
A essas, principalmente, – às mulheres que se parecem com mulheres e que não se parecem com homens – chego a uma resposta apenas com um ponto de vista:
Uma mulher sem roupa, ou a despir-se, é sempre uma mulher nua.
E aqui não existem dúvidas em relação ao estudo exigente a que me propus:
Uma mulher, a despir-se lentamente, chega sempre adiantada à nudez, conservando, assim, a beleza durante muitos mais anos; é um corpo cheio de sítios importantes onde se pode descansar, onde se pode esperar pela hora de almoço, onde se pode partilhar alguns esconderijos mais didácticos, onde se pode colocar o dedo que costuma ser útil na leitura dos mapas das grandes cidades. Isto sim, é o corpo feminino que merece a minha atenção. Nele posso repousar o meu corpo à vontade, lentamente, lentamente, lentamente...

O veredicto que vos acabei de anunciar ocorreu a partir de um estudo que realizei da janela do meu quarto. Foi daí que vi o corpo feminino a quem dedico o poema lento que se segue. No entanto, um aviso torna-se urgente: este poema está cheio de definições sérias e científicas que nunca se aproximarão da beleza exacta de qualquer uma das partes anatómicas do corpo feminino. Sendo, por isso, um poema masculino.


Era Inverno e a praia era uma chuva pouco desenhada
onde as ondas pareciam não quebrar no mar
mas sim em terra
Depois apareceu uma mulher pela primeira vez através da janela do meu quarto
Uma mulher que ocupava cada passo combinado com a Terra
ELA VEM AÍ, dizia a terra, antes do pé tomar a forma da areia húmida
ELA VEM AÍ, e outro passo acontecia com uma certa importância para o planeta
Contei vinte e seis passos importantes que ficaram marcados
Vinte e seis vezes o planeta disse ELA VEM AÍ para aconchegar cada metro no seu corpo
Ela, naquele momento, era um animal lento que se confundia com a paisagem selvagem
Ela era um animal perigoso e não era peixe e que mesmo assim seguia na direcção do mar
Então aquilo é que é um animal perigoso? indaguei eu através de algumas associações literárias
Aquilo é uma mulher vestida no corpo e nua nos pés, respondeu a minha consciência
E nesse momento percebi que os meus olhos estavam prestes a nascer: e isso é estar nu por todo o lado
Os meus olhos tinham-se enchido de desejos obedientes e tinham-se esvaziado dos raciocínios elaborados: também eu me tinha tornado um animal que não era peixe e que mesmo assim seguia na direcção do mar.

Autor: Rui Almeida Paiva

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