quarta-feira, 11 de março de 2009

nona tentativa para chegar ao mesmo sítio

Debaixo do menino, uma quantidade de objectos coloridos entravam numa tempestade caótica: objectos livres, verificava o menino, quando definia aquela confusão de livros que repousavam à sua frente.
Quantos livros tens exactamente?, perguntavam-lhe os enfermeiros, quando passavam por ele. Quatro, respondia-lhe o menino, tenho quatro livros livres. O menino, inocentemente, pensava que o número quatro, foneticamente, correspondia ao número maior possível: é aquele que atinge os limites das quantidades. Quatro é o número imediatamente anterior ao infinito, concluía o menino para si, satisfeito com a sua interpretação literária da numeração. Embora o menino ainda não pudesse anunciar esta descoberta ao Mundo (a descoberta do Número Quatro) porque ainda não conhecia as regras da matemática, algo de sobrenatural voltava a confirmar a sua teimosia: tenho a teimosia dos pressentimentos, e isso basta-me.
Só um dos enfermeiros tinha autorização para abrir os objectos livres do menino e de lê-los ininterruptamente. Apenas alguns estão à altura de exercer magia, e estes são escolhidos por estaturas. O enfermeiro mais baixo seria o mais indicado: é estritamente obrigatório não ter vertigens quando se abre um livro; é, também, muito saudável ter as mãos junto aos pés quando se tem o privilégio de tocar em páginas que podem desequilibrar.
O menino, quando não tinha nenhum enfermeiro de estatura baixa por perto, praticava outras funções ditas livres: abria, ele próprio, um dos seus quatro livros e, delicadamente, ia desenhando letra a letra o que lá estava escrito, passando tudo para o seu caderno. Nestas letras, o menino, que não sabia ler uma única palavra completa, percebia uma outra invenção só sua: a teimosia das letras infinitas. São apenas desenhos estas letras, explicava o menino, desenhos com histórias muito livres, murmurava ele depois, enquanto desenhava um “d” que afinal, para si, era um novo castelo onde habitavam cem dinossauros vestidos com armaduras de ferro.

autor: rui almeida paiva

Sem comentários:

Enviar um comentário