sábado, 7 de março de 2009

Quinta tentativa para chegar ao mesmo sítio

Pai, hoje, finalmente, decidi escrever-te porque se tornou importante fazeres parte daquilo que tenho sentido por ti. Pai, hoje também fui pai, e o que tenho para te oferecer são frases que te pertencem; aqui estão elas, são tuas:

Um filho que não tem ninguém para o ajudar a vestir não está formado fisicamente: faltam-lhe as duas mãos que precisava para ficar completo.

Um filho nasce sempre pelo menos com quatro mãos. Duas fazem parte do seu corpo: são Anatomia, são Ciência e são muito pequeninas. As outras duas estão fora de si: são como o Vento, como a Temperatura e são muito grandes.

Um filho que tem de aprender a vestir-se sozinho antes do tempo veste tudo ao contrário (não sei se já reparaste numa criança a tentar calçar o sapato certo no pé certo: erra sempre, é azarenta por natureza, a criança): as camisolas com as etiquetas presas ao queixo, a camisa abotoada em casas trocadas, as calças com a braguilha virada para trás.

Um filho que nasceu apenas com duas mãos demora sempre mais tempo a equilibrar-se quando se tenta levantar pela primeira vez. Andar para a frente é um ofício da Natureza que é apreendido apenas pelos corredores mais resistentes. Um filho apenas com Mãos Anatómicas e sem Mãos de Pai está sujeito a uma queda inevitável, e começar a cair cedo demais pode provocar lesões irreversíveis no desequilíbrio.

Um filho que tem apenas duas mãos para se alimentar morre sempre um pouco à fome. As mãos de uma criança servem para brincar em todas as ocasiões, não podem servir para trabalhos forçados como colocar uma centena de colheradas de sopa entre os lábios. Passar fome, neste caso, pode ser ficar desidratado na diversão.

Um filho que nasceu apenas com duas mãos nunca aprendeu a abraçar: ninguém aprende sozinho aquilo que é obrigatório fazer-se acompanhado.

No final da carta não me despeço, como supostamente o deveria fazer, prefiro continuar a observar as minhas mãos muito demoradamente – é que tem sido nelas que tenho encontrado frequentemente as tuas Mãos de Pai.
Até já...


Autor: Rui Almeida Paiva

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