quarta-feira, 3 de junho de 2009

quinquagésima sexta tentativa para chegar ao mesmo sítio

Entendemos melhor um comprimido na boca do que uma injecção no braço.
O reformado despediu-se dos colegas como se se despedisse da própria vida. Na semana passada tinha ido ao Ministério do Ambiente pedir que não lhe atribuíssem o estatuto de homem em final da carreira. Responderam-lhe todos com um peremptório NÃO. Quantas plantas já se tinham deslocado ao mesmo departamento para pedir outras regalias? (o mais comum era irem lá para pedir a reforma antecipada), e a resposta continuou no mesmo tom; NÃO, aqui está o tom semelhante para todas as possibilidades existentes. Interessa, talvez, divulgar aqui, que os governos, habitualmente, não gostam de cidadãos que peçam coisas, não interessa o que seja pedido, interessa é dizer imediatamente NÃO como se isso fosse um reflexo agressivo e essencial para o progresso. O que interessa é calar as bocas.
O reformado questiona-se no primeiro dia de descanso, sobre a hipótese de não conseguir sair de dentro da terra (de dentro do vaso onde o colocaram). Uma planta começa a murchar nas ocasiões menos previstas; quando as canções tristes estão na moda, por exemplo, nessas ocasiões o índice de plantas a murchar aumenta disparatadamente. No primeiro dia de descanso o reformado não sabe para onde ir, está preso à inutilidade, e não consegue respirar – murcha, portanto, aos poucos: é como se a sua vida começasse a fazer parte da letra de uma canção triste.


autor: rui almeida paiva

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