Aquela mulher tinha barriga de final de gestação mas também era mulher dos seus noventa anos. Lá dentro, com toda a certeza, nenhum ser vivo. Endireitava-se na sua varanda preparando tudo cuidadosamente, talvez demorasse toda uma manhã nos preparativos. Quanta tecnologia tem uma mesa que está a ser arranjada com todo o amor? Depois o sol deixava de bater com força e a mulher de barriga inchada começava a ler de garfo e faca o seu livro preferido. A faca para que as folhas não esvoaçassem de um lado para o outro. E o garfo para poder passar as páginas que já tinham sido lidas. Este ritual concreto acontecia, insistentemente, à hora de almoço. Mulher que comia livros às refeições, é assim que a identifico quando conto esta história aos desconhecidos que quero surpreender. E a barriga inchada, qual a razão de tamanha desproporção? perguntam-me obrigatoriamente os que me ouvem, abrindo, depois, a boca como que salivando litros de impaciência. Existem livros indigestos, respondo-lhes prontamente, e esses, infelizmente, coincidiam com o gosto literário da mulher que comia livros às refeições.
autor: rui almeida paiva
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