sábado, 25 de abril de 2009

trigésima segunda tentativa para chegar ao mesmo sítio

Aquela mulher tinha barriga de final de gestação mas também era mulher dos seus noventa anos. Lá dentro, com toda a certeza, nenhum ser vivo. Endireitava-se na sua varanda preparando tudo cuidadosamente, talvez demorasse toda uma manhã nos preparativos. Quanta tecnologia tem uma mesa que está a ser arranjada com todo o amor? Depois o sol deixava de bater com força e a mulher de barriga inchada começava a ler de garfo e faca o seu livro preferido. A faca para que as folhas não esvoaçassem de um lado para o outro. E o garfo para poder passar as páginas que já tinham sido lidas. Este ritual concreto acontecia, insistentemente, à hora de almoço. Mulher que comia livros às refeições, é assim que a identifico quando conto esta história aos desconhecidos que quero surpreender. E a barriga inchada, qual a razão de tamanha desproporção? perguntam-me obrigatoriamente os que me ouvem, abrindo, depois, a boca como que salivando litros de impaciência. Existem livros indigestos, respondo-lhes prontamente, e esses, infelizmente, coincidiam com o gosto literário da mulher que comia livros às refeições.

autor: rui almeida paiva

Sem comentários:

Enviar um comentário