terça-feira, 22 de setembro de 2009

nonagésima primeira tentativa para chegar ao mesmo sítio

Estória 1

Alguém que leva um saco cheio às costas pode ser alguém que não leva um saco cheio de prendas às costas. O saco não entra pela chaminé e não entra num lar de órfãos que utilizam as pedras para se divertirem uns com os outros. O saco dirige-se para o caixote do lixo, vem de um restaurante e contém peixe que não foi servido. O saco que agora é desperdício poderia ser felicidade para o estômago de todas aquelas crianças e para todas aquelas pedras em que se transformaram. Também pode ser divertimento, matar a fome. Pena é não existirem instituições que recolham todos os alimentos abandonados e não os convertam em formas geométricas revolucionárias. Ser revolucionário também pode ser ter vontades cívicas. Dar condições para que os meninos deixem de utilizar a brutalidade como jogo e que sintam vontade de se vestirem de piratas e de bruxas e de constituírem uma verdadeira peça de teatro onde os piratas atiram pedras às bruxas e as bruxas atiram vassouras aos piratas.


Estória 2

Duas amigas tentam sobreviver comprando uma mentira. Entram numa boa livraria e compram quatro volumes do zodíaco. Duas amigas, frente a frente, lêem o signo uma da outra e riem-se entusiasmadas com aquilo que as espera. Gargalhadas são largadas para treinar a sorte. Para baralhar o azar que nascerá e morrerá com elas. A vida corre-lhes bem sobre cada uma das páginas e percebem que a mentira as faz sonhar com o que virá a seguir. «No mês de Agosto tente reparar em quem está à sua volta. No seu grupo de amigos poderá encontrar o seu verdadeiro amor.» A amiga morena olha em redor porque é Agosto e porque já está à espera há muitos anos por alguém para partilhar o corpo. Nessa altura a amiga loira deixa de se rir e a canção interior torna-se o princípio de uma ferida. A morena olha à volta e não a encontra a ela, à loira, que tem feito de tudo para ser descoberta.


Estória 3

Mais um parto que correu mal. Sobreviveu o pequeno e morreu a mãe do pequeno. Lá fora nasceu o Sol e o dia é para quase todos. Os outros, aos outros a noite continua com os olhos fechados.

Depois do pequeno almoço fiquei agoniado. Faz muito calor no meio do mar mas é no meio do estômago que a temperatura da água se manifesta com velocidade. O arroto não é aplicação directa de uma previsão meteorológica mas é indicador precioso para prever quando a praga chega à cidade, à população. Estou agoniado porque morreu a mãe e não o filho – o Sol teima em nascer para menos uma pessoa de cada vez.

autor: rui almeida paiva

Sem comentários:

Enviar um comentário